segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Por uma economia baseada no conhecimento da natureza. Entrevista com Bertha Becker

A economia baseada no conhecimento da natureza é, segundo a geógrafa Bertha Becker, uma economia que utiliza a natureza sem destruir todas as suas potencialidades e diversificação. Em entrevista à IHU On-Line, ela apresentou essa ideia de se pensar uma economia que se baseia em compreender a lógica da natureza trazendo este exemplo para a realidade brasileira. Para a professora, o primeiro critério para se efetivar essa economia a partir do conhecimento da natureza é usá-la destruindo o mínimo possível. O problema está, segundo ela, justamente em não entender o que e quanto se pode destruir. “Ao mesmo tempo em que estamos crescendo, nós estamos destruindo células e gerando outras. O problema é que estamos destruindo as florestas do Brasil, a Amazônia, por exemplo, para fazer pastagem ou para queimá-las e fazer carvão. Isso sim é uma tragédia”, apontou.

Bertha Becker é geógrafa e historiadora pela Universidade do Brasil (hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro). É especialista em Theories of Urbanization & Urban Systems Analysis e doutora em Geografia pela UFRJ. Realizou o pós-doutorado no Departament Of Urban Studies And Planning (EUA). É pesquisadora da Agência Nacional de Águas e professora aposentada da UFRJ.


IHU On-Line – O que é uma economia baseada no conhecimento da natureza? E quando que começou a se pensar nesse tipo de economia?

Bertha Becker – É uma economia que utiliza a natureza sem destruir todas suas potencialidades e diversificação. Os índios e os povos que habitam florestas já pensam nisso há muito tempo. Eles têm um conhecimento sobre a natureza baseado na própria cultura e vida. Não é só mais um conhecimento tradicional, já é um conhecimento que vira uma ciência, com estratégias, práticas e tecnologias próprias. Já se tinha um conhecimento baseado nas culturas dos povos de acordo com seus diferentes lugares de vida, e agora é que se entende que a natureza é tão poderosa, ela tem tantas potencialidades que é possível você desenvolver uma economia baseada nestes conhecimentos, com consciência, tecnologia e práticas adequadas.

IHU On-Line – Quais são os critérios para se medir essa economia?

Bertha Becker – O critério básico é justamente você usar sem destruir. Ou destruir o mínimo. Ao mesmo tempo em que estamos crescendo, nós estamos destruindo células e gerando outras. O problema é que estamos acabando com as florestas do Brasil, a Amazônia, para fazer pastagem ou para queimá-las e fazer carvão. Isso sim é uma tragédia. A floresta tem uma potencialidade muito grande em função de seus ecossistemas, incluindo aí a água, a fauna a flora.

Esse conhecimento pode gerar uma nova forma de desenvolvimento que, no caso do Brasil, é fundamental porque nós temos um território imenso, extremamente diversificado e que, até agora, com pequenas exceções, tem sido utilizado para exportação de produtos sem agregação de valor. E isso acontece desde o período colonial.

IHU On-Line – Quais são as potencialidades do Brasil na área da economia do conhecimento sobre a natureza?

Bertha Becker – Diversidade da natureza, Amazônia com ecossistemas florestais, o próprio Nordeste, hoje, está desenvolvendo uma série de pesquisas sobre frutos, sobre a natureza semiárida do Nordeste e por aí afora. E tem os minerais também, a natureza também envolve os minérios, não só fauna e flora, que são riquíssimas no Brasil. Você tem uma grande diversidade nas diferentes regiões do Brasil, que têm frutos, flores, espécies variadas de clima equatorial, de clima mais semiárido, o cerrado, a Mata Atlântica, já muito destruída, mas ainda tem potencial, e depois, mais para o Sul, a vegetação já subtropical e com variedade de recursos minerais também grandes.

Tem outra questão que precisa ser levada em conta na economia de conhecimento da natureza que é a questão do mar e dos oceanos que hoje são um dos grandes eldorados do mundo contemporâneo porque detém espécies conhecidas e não conhecidas de fauna, de flora e de minérios, há muitos recursos minerais que ainda estão sendo descobertos. Justamente eldorado no sentido de recursos da natureza. E nós temos Antártida, que você sabe que já está partilhada pelas potências, mas nós temos a Amazônia verde, e agora lançaram essa expressão Amazônia azul, que é justamente toda a parte costeira e de fundo de mar em que há uma potencialidade enorme ainda muito pouco conhecida. Precisamos conhecer logo essa natureza, em outras áreas do mundo, a pesquisa é feita mais rapidamente.

IHU On-Line – O conceito de desenvolvimento sustentável ainda é válido ou há uma crescente incompatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade?

Bertha Becker – Não há incompatibilidade de forma alguma. É perfeitamente possível você desenvolver sem destruir a natureza para nada. Nós precisamos saber, dentro da questão do desenvolvimento sustentável, discernir o que é consciência ecológica e utopia ecológica. Algumas utopias são muito importantes, pois levam o homem para frente, mas outras não. Já a ideologia ecológica é muito perigosa, porque ela tem, muitas vezes, acobertado interesses geopolíticos perversos em relação às nossas riquezas naturais.

O que significa o desenvolvimento sustentável? Ele está sendo retomado rigorosamente. É um projeto que tem que seguir caminhos diferenciados de acordo com as construções históricas das diferentes nações e grupos sociais. Não existe um caminho único para o desenvolvimento sustentável, ele deve abranger múltiplas dimensões econômicas, sociais, políticas, ambientais e, basicamente, ele não tem um modelo único a ser seguido, tem que ser fundamentado nas condições geográficas, históricas, nas situações diferenciadas dos países e das regiões.

IHU On-Line – O Plano Amazônia Sustentável (PAS) e o Programa de Aceleramento Econômico (PAC) na região Amazônica são compatíveis?

Bertha Becker – Nós temos realmente um problema sério. Não podemos dizer que o PAC não vai trazer nenhum impacto na Amazônia, ele vai trazer sim. Mas é exagero tanta hidrelétrica na Amazônia. Serão mais cinco hidrelétricas, por exemplo, planejadas em Tapajós que vão impactar nas terras indígenas e unidades de conservação.

Por outro lado, eu também não sou a favor daqueles que gritam que não pode ter hidrelétrica alguma, porque o país precisa se desenvolver e precisa de energia, e uma ou outra hidrelétrica terá que ser construída porque a Amazônia tem um enorme potencial. A grande questão é que estas hidrelétricas têm sido construídas basicamente para abastecer grandes empresas, para supri-las com energia barata.

IHU On-Line – Quem são hoje os maiores inimigos da Amazônia?

Bertha Becker – Os maiores inimigos são aqueles que destroem a floresta para não fazer nada, são aqueles que não querem que se toque na Amazônia, o extremo oposto não pode. Nós temos que usar os recursos em benefício das populações que lá vivem e do país, isso é fato. São também inimigos aqueles que não colaboram com a discussão e a busca de soluções. Muita gente tem que sair da posição cômoda de não debater e partir para tomar uma posição política. Nós temos que descobrir, conhecer a natureza, daí vem a ideia do conhecimento da natureza, pois precisamos desenvolver práticas adequadas e usar sem destruir, este é nosso desafio. Não é nem destruir e nem não fazer nada.

(Ecodebate, 23/06/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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